Sortes e Revezes - Capítulo I

De Thomas Parrott. Originais aqui (ePub) e aqui (Mobi).

Ilden segurou firme o alçapão; sua ânsia em sair do subsolo era tão intensa quanto o cheiro daquele lugar. Mas apressar as coisas era uma ótima maneira de garantir seu nome nos obituários, então ele parou por um instante, e para seu arrependimento, respirou fundo. Não parecia que havia viv'alma fora dali, e seus instintos eram certeiros em tais coisas. Cuidadosamente, destravou o painel, e o deslizou para fora. Nem um rangido. Claro que o honrado filho da Casa Draik podia pagar um ótimo serviço de manutenção.

Subiu silencioso à superfície e fechou a entrada atrás de si com absoluto alívio. "Eis a vida de um ladino", sussurrou.


"Os túneis de manutenção ao longo do purificador de dejetos era a entrada menos segura. Elegância não é meu principal critério", veio a resposta fleumática, através do comunicador em sua orelha. Cascade podia não desejar ser uma máquina insensível como um adepto do Mechanicus, mas o vocoder destituia sua voz de qualquer humanidade.

Ilden permitiu-se sorrir pela situação. "Tudo será perdoado se você me tirar daqui inteiro".

"Chega de conversa. Draik ainda está ocupado com seu encontro no Timoneiro, mas não sabemos quanto tempo ficará lá". A voz firme de Raedrus foi implacável.

"Entendido, chefe. Estou na sala. Tudo de acordo com o plano". Na verdade, Ilden tentava dar aos olhos a chance de se adaptar à escuridão, mas não teve sucesso. Encaixou seu photovisor sobre o rosto, e o depósito surgiu, uma confusão monocromática de caixas e compartimentos. O lugar parecia ter sido meticulosamente organizado em algum momento, mas aos poucos foi cedendo à anarquia.

Ele se adiantou, um passo após o outro. Estudava o conteúdo de cada um dos contêineres pelos quais passava. A maioria deles continha apenas suprimentos; não que não fossem lucrativos, afinal, os alimentos podiam ser bem escassos em Precipício quando os cargueiros eram destruídos na travessia do cinturão de destroços. Mas não te fariam ricos rapidamente. Ilden então viu uma caixa restrita do Munitorum - talvez uma arma de plasma, ou tanques de hidrogênio, a julgar pelas etiquetas de aviso. Mais adequado.

Também havia um grande barril, e ele não pôde seguir adiante sem destampá-lo e cheirar o conteúdo. Notas de madeira e turfa de um maravilhoso amasec. Com isso e um o comprador certo, significaria semanas, até meses de conforto. Ilden pôs a rolha no reservatório um tanto arrependido e prosseguiu. O item que procurava era mais específico, e ainda mais raro, além de mais fácil de carregar. Espiou a próxima intersecção e sorriu. Lá estava.

Um pequeno baú suspenso em um pedestal, no final do corredor. Enquanto a maioria dos novos contêiners estavam empilhados de qualquer jeito, aquele tinha sido cuidadosamente instalado. Ilden se apressou, mas parou no último momento. Havia algo errado. Ele olhou em volta, mas nada viu.

"Cascade, você desligou todos os sistemas de segurança?"

Silêncio. "Não localizei mais nada, por que?"

"Tem algo errado", ilden franziu o cenho e mexeu os dedos. "Eu não consigo..."

Respire fundo. Se acalme. Ouça seus instintos. Deixe-os te guiar.

Veio de repente: o caminho estava entrecortado por feixes de luz cruzados. A poucos centímetros dele. Ele não podia vê-los, mas estavam lá. Ele engoliu em seco.

"Uma grade de defesa".

"Tem certeza? Não localizei nada". Os tons secos de Cascade fizeram-no pensar que estava irritada.

Raedrus interrompeu novamente. "Acredite nele. Eu contratei Ilden por um motivo".

"Deve estar instalado em outro sistema. Deixe-me ver se encontro outro acesso". Havia um tom binário subjacente a sua voz. Ilden não precisava entendê-lo pra saber que ela estava irritada.

"Podemos não ter tempo", disse Raedrus. "Parece que ele terminou seu encontro".

"Maravilha", suspirou Ilden. Concentrou-se nos raios invisíveis à sua frente. Precisava se concentrar. Aprofundar seu foco. Podia sentir a grade se estender adiante, presumir seu formato. Era só procurar por... ali. Uma abertura. Alguém empilhou algumas caixas de qualquer jeito, entre os emissores e o corredor. Ele escalou a fileira de caixas ali perto; sua synskin e seu equipamento não emitiram ruído.

Engatinhando, se espremeu através da abertura entre as caixas onde não sentira os raios defensivos. Prendeu a respiração durante todo o processo, e nada acontecera. Luzes não se acenderam, nem alarmes soaram. Respirando finalmente, ele atravessou a muralha de caixas e aterrissou bem diante do baú. Ele tinha uma tranca, mas não seria desafio para as autoclavis de seu kit. Ele abriu o compartimento e viu seu conteúdo pela primeira vez.

Um amuleto dourado, com uma gema azul incrustada. Estranhos símbolos gravados, que pareciam se transformar sob a visão noturna dos óculos. Ele pegou cuidadosamente o amuleto, e no momento seguinte, paralisou e caiu de joelhos. Uma onda de vertigem o invadiu e sua consciência ficou por um fio. Já sentira isso antes? Ele engoliu com dificuldade para impedir que seu estômago saísse pela boca.

Enquanto isso, Raedrus o contatou. "Ele está saindo do Timoneiro. Qual seu status, Ilden?"

Ele sacudiu a cabeça, a sensação estava desaparecendo. Apenas um estranho momento de déjà vu, disse para si mesmo.

"Estou com ele. Voltando agora". Ele levantou e guardou o amuleto. Não queria estar ali quando Janus Draik retornasse à Vanguarda. Era hora de ir.


Vaults of Obsidian é uma antologia de contos sobre os habitantes de Precipício e suas desventuras relacionadas à Blackstone Fortress, que ao contrário do que se acredita, não é uma fortaleza abandonada nos confins da galáxia. Poderosas forças reclamam a posse deste lugar maldito, e podem estar interessados em qualquer um que invadiu os seus domínios e sobreviveu, levando seus segredos.

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