Argumentos contra o uso do Argumento do Operador

Dois argumentos foram levantados contra a versão original do Argumento do Operador, de forma que, mesmo que seja válido, é incapaz de sustentar o relativismo (LOPEZ DE SÁ 2009; NINAN, 2011). Embora tais objeções não sejam aplicáveis à minha versão do Argumento, sua recorrência ao longo das discussões sobre o relativismo as tornam dignas de serem apresentadas, para que tenhamos uma ideia do que o Argumento é capaz ou não de sustentar.

As objeções partem do princípio de que o Argumento do Operador não é suficiente, nem necessário para uma teoria relativista, e portanto quaisquer defesas do relativismo que partam deste argumento, são falaciosas.

O Argumento pode ser compreendido como apresentam Cappelen e Hawthorne (2009). Seja E uma ema expressão dotada de sentencialidade (o fato de que sua combinação com uma sentença é também uma sentença), S uma sentença, e M os parâmetros de avaliação, segue o argumento:

  • Dependência de Parâmetro: S pode ter sua veracidade avaliada apenas se M for especificado; 
  • Uniformidade: S é do mesmo tipo semântico isoladamente ou enquanto parte de E; 
  • Vacuidade: E é semanticamente vazia (não afeta valores de verdade) mesmo combinada com uma sentença que determina o valor de M;
  • E não é redundante quando combinada com S; 
  • S não determina o valor de M quando combinada com E (3, 4); 
  • S não determina o valor de M sozinha (2, 5); 
  • S não pode ser sua veracidade avaliada (1, 6). 
Lopez de Sá (2011) se concentra no problema de que alguns casos exigem a atribuição de novos parâmetros às circunstâncias de avaliação, ao invés de sua atribuição ao conteúdo das sentenças. Para Stanley (2005), a única razão para a introdução de parâmetros às circunstâncias é a existência de operadores que mudem tais parâmetros. MacFarlane (2009), por sua vez, argumenta que

[...] não devemos acrescentar um parâmetro às circunstâncias de avaliação sem uma boa razão, mas o que determina que a única razão para isso seja um operador? Para perceber o quanto [esta ideia] é irracional, considere o que faríamos em uma semântica sem operadores modais ou condicionais contrafatuais. Uma vez que a linguagem não possuiria operadores capazes de alterar o contexto, seria impossível relativizar verdades proposicionais. Mas ainda queremos saber como os valores de verdade das sentenças desta linguagem limitada depende de aspectos contextuais. Uma sentença S [...] pode ser verdadeira em C¹, em falsa em C². A única forma de explicar isto sem relativizar seria admitir que a sentença expressa diferentes proposições em C¹ e C². Mas deveríamos poder dizer que um falante em C¹ expressa em C² a mesma proposição através de S, embora na primeira ele fale a verdade e seja falso na última. [O argumento] nos impediria de dizer isto, e isso me parece o bastante para rejeitá-lo [...] (2009, p. 245, tradução nossa).

Lopez de Sá argumenta que os dois autores não estão realmente em conflito, uma vez que não perceberam que o termo "circunstâncias de avaliação" pode ser utilizado como indexical ou como critério de avaliação:

Um aspecto contextual aparece como como coordenado em um indexical em virtude da existência de um operador linguístico que o mude. Por outro lado, figura como parâmetro de um critério de avaliação por ser algo relativo ao objeto das verdades (2011, p.).

Isto é, para o autor, ainda que um indexical e um critério de avaliação possam coincidir, ser parte do indexical não é um condição necessária para ser parte de um critério visto que, uma vez que alguém pode relativizar as verdades de alguém utilizando parâmetros que não possuem correspondentes na linguagem; tampouco é uma condição suficiente porque temos evidências que embora construções como "estritamente falando" atuem como operadores, isso não implica que as crenças de alguém são verdadeiras de acordo com tais padrões de precisão. Considerando que o Argumento do Operador presume que se certas expressões podem ser consideradas operadores, precisamos postular os parâmeros de avaliação correspondentes a estas expressões, segue-se que não podemos utilizar o argumento sem esclarecer nosso uso do termo "circunstância de avaliação".

A fim de responder a esta objeção, é válido notar que um grande problema entre a disputa entre contextualismo e relativismo diz respeito ao propósito geral da Semântica. Tendemos a concordar que certas entidades devem ser admitidas em uma semântica por serem capazes de cumprir propósitos importantes para esta teoria: serem valores semânticos de sentenças em um contexto, conteúdos de asserções e outros atos de fala, de atitudes como crenças e dúvidas, etc. A grande controvérsia é se tais propósitos são cumpridos pelo mesmo tipo de entidade, ou se precisamos de mais de um tipo a fim de construirmos uma semântica capaz de lidar com todos os casos possíveis.

Tradicionalmente defendeu-se ser a proposição a entidade cumpridora de todos os propósitos de uma teoria semântica - Stalnaker (1970); Soames (1989); e mais recentemente King (2003), Cappelen e Hawthorne (2009) são alguns defensores; no entanto, autores como Lewis (1980) e Perry (2001) tendem a defender que precisamos de mais de um tipo de entidade para lidar com todos os casos possíveis em uma teoria semântica. Embora meu propósito aqui não seja argumentar que há apenas um único tipo de entidade - seja a proposição ou qualquer outra; ou o seu inverso, de que é impossível que todos os papéis semânticos possam ser cumpridos por um único tipo de entidade, acredito ser necessário distinguir estas duas visões. Chamarei monistas semânticos os membros do primeiro grupo, e pluralistas semânticos o segundo.

A distinção que Lopez de Sá faz entre indexicais e pontos de avaliação indica que existem pelo menos dois tipos de entidades em uma teoria semântica: um que exerce a função de valor semântico de sentenças em um contexto, e outro que cumpre o papel de ser o conteúdo de certas atitudes proposicionais. Sua objeção ao Argumento do Operador é que a existência de operadores não é necessária, nem suficiente para a introdução de parâmetros em seus critérios de avaliação. Todavia, ele deixa em aberto se a existência de operadores é necessária e suficiente para a introdução de parâmetros em indexicais. Uma vez admitido alguma forma de pluralismo semântico, basta ao relativista estabelecer uma distinção entre as várias entidades e os papéis exercidos por elas em uma teoria semântica; e a crítica de Lopez de Sá só poderá ser aplicada a uma dessas várias entidades.

É importante ressaltar que não há na literatura uma referência explícita sobre os papéis que vários tipos de entidades podem cumprir em uma teoria semântica. A maioria das discussões dentro do relativismo envolvem a noção de discordância, e sugerem que os papéis exercidos pelas entidades são relativos ao conteúdo de nossas crenças ou de nossas asserções¹.

Recanati em "Moderate Relativism" (2007) é um bom exemplo da convergência entre o relativismo e o pluralismo semântico, através de sua distinção entre lekton, parâmetros de tempo, local, padrões de opinião, etc; e proposição austiniana, complementada com informações sobre a circunstância na qual o lekton deve ser contabilizado. Se alguém diz "está chovendo", estando no Recife, a capital pernambucana é o parâmetro de local a ser levado em conta ao confirmarmos a veracidade do proferimento. Para Recanati, o lekton da sentença apenas afirma que está chovendo, ao passo que sua proposição austiniana nos diz que está chovendo no Recife. Quero chamar atenção para o fato de que para o autor, a proposição austiniana é a entidade que cumpre o papel de conteúdo de nossas asserções, e o lekton, a que cumpre o papel de valor semântico da sentença; ou seja, Recanati acredita haver dois tipos de entidades cumprindo pelo menos dois papéis distintos - um pluralismo semântico.

Como dito anteriormente, meu propósito aqui não é defender o pluralismo em detrimento do monismo semântico, mas mostrar que é possível escapar à objeção de Lopez de Sá: existe pelo menos uma forma pela qual o Argumento do Operador defende que os elementos que cumprem os papéis essenciais em uma teoria semântica são proposições relativizadas.²

Comentários

  1. ¹ Glanzberg (2007) é uma exceção, situando o debate entre contextualismo e relativismo em termos de entidades enquanto valores semânticos de sentenças em dados contextos, ou em seus termos, no debate entre absolutismo e relativismo de valores semânticos, o primeiro grupo defendendo que os valores semânticos de uma sentença são conjuntos de mundos possíveis, ao passo que no segundo grupo esses valores são conjuntos de n mundos, bem como outros parâmetros, determinando a verdade de uma sentença em um contexto.

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